sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

A PRIMAVERA EM NÓS

"O homem não está na natureza. Ele é da natureza".disse o médico e alquimista suíço Philippus AureolusTheophrastus Bombastus von Hohenheinou, mais conhecido como Paracelso, nas primeiras décadas de 1500.Ter sempre em mente que o ser humano está intimamente ligado à natureza faz parte de uma necessária conscientização. Ao longo da história da humanidade,este alerta sempre foi dado.No ano de 1854, o então presidente dos Estados Unidos,Franklin Pierce, ao fazer uma proposta de compra deterras a uma tribo indígena, recebeu como resposta do chefe dos Seatle, um dos mais belos discursos já feitos sobre a relação do homem com a natureza. Diz o pronunciamento em seu início:"Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calorda terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como épossível comprá-los? Cada pedaço dessa terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro,cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho
Os mortos do homem branco esquecem a sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é amãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; ocervo , o cavalo , a grande águia, são nossos irmãos.Os picos rochosos , o sulcos úmidos nas campinas , ocalor do corpo do potro, e o homem - todos pertencem àmesma família." (Este texto de tão belo e profundo, passou a compor oprograma para o meio ambiente da ONU.)Esta relação torna-se mais estreita, quando nosvoltamos para o oriente, onde podemos ver textos comoo milenar I Ching, onde em sua lógica cósmica nos dizque o homem é um microcosmo dentro de um macrocosmo. A própria dinâmica dos átomos que compõe as células denosso corpo é um espelho do funcionamento do universo.Em torno do seu núcleo, giram elétrons, assim como emtorno do sol giram os planetas. E é de um gênio da física, Albert Einstein(1879-1955), a seguinte frase:"Um ser humano é uma parte do todo ao qual chamamos deUniverso... Ele concebe a si mesmo, às suas idéias esentimentos como algo separado de todo o resto. É comose fosse uma espécie de ilusão de ótica da suaconsciência. Essa ilusão é um tipo de prisão para nós,restringindo-se aos nossos desejos pessoais ereservando nossa afeição a algumas poucas pessoas maispróximas de nós. Nossa tarefa deve ser libertarmo-nosdessa prisão ampliando o nosso círculo de compaixão demaneira a abranger todas as criaturas vivas e toda anatureza em sua beleza."Não é por outro motivo, que o homem identifica noseventos da natureza, características que encontra emseu próprio comportamento.Assim o faz, por exemplo, com a mais simbólica detodas as estações: a primavera. Mais do que um eventoastronômico chamado de equinócio, quando o dia e anoite se igualam na duração, a primavera é umarepresentação da alegria, das cores, uma celebração daexplosão da vida.Nos diz a filosofia Taoista, que tudo no universo seprocessa em movimentos de expansão, inércia eretração. A primavera seria este movimento de expansãoda natureza. As sementes lançadas ao solo através doamadurecimento dos frutos no outono (retração),germinam na quietude do inverno (inércia) e explodemem cores vivas na primavera. Vemos este processo também em nosso dia a dia, a cadanovo passo a ser dado na vida, quando nos concentramospara planejar (retração) para decidirmos o melhorprocedimento (ação - expansão) a ser feito. Uma estação que afeta nosso comportamento por termosnós mesmo projetados nela, sentimentos de alegria ecelebração da vida.A celebração da primavera no orienteNeste período, várias celebrações ocorrem em váriospontos do mundo, resgatando a eterna relação entre ohomem e a natureza. As festividades mais marcantes sãoem culturas milenares como a japonesa e a chinesa.No Japão, é a estação mais popular do país. Aprimavera é recebida em festa. Época de "Hanami" quesignifica "ver o florescer". Originariamente surgidana era Heian (794/1185), o Hanami era uma festividaderestrita à aristocracia. Sua popularização se deudurante a era Edo (1688/1704), quando as pessoas sereuniam sob as cerejeiras para comer, beber e dançar.Uma celebração importante, em uma época dominada pelosShoguns, senhores feudais, onde a liberdade decomportamento para a população era bastante restrita.O Sakura Matsuri, a comemoração das cerejeiras écelebrada em todo o território japones. A cerejeira éuma planta adorada pelo povo japonês por ser símboloda felicidade. Contam, que os antigos samurais, aomorrer num campo de batalha, eram cobertos por pétalasde cerejeira, o que fazia seu espírito se encher deorgulho. O sakura (cerejeira) é o símbolo nacional, pois paraos japoneses, sua forma e cor refletem os ideais maispuros e simples do ser humano. Praticamente todos osarranjos florais japoneses (ikebana) contem flores,botões e ramos de cerejeira. Na China, temos a celebração do ano novo chinês, oFestival da Primavera. O nome do Festival fazreferência ao ano novo lunar que se inicia naprimavera, diferente do ano novo ocidental. Ocalendário gregoriano foi oficializado apenas em 1912,na fundação da República da China e o nome permaneceupara diferenciar as duas passagens de ano.Uma noite onde as famílias se reúnem em jantares,distribuem dinheiro da sorte às crianças e esperam oamanhecer do dia acordados para dar boas vindas aonovo ano que chega. Rituais em homenagem aosantepassados também são realizados nos templos.Nesta noite, por ser a primeira lua cheia do anochinês, são feitos os bolos de lua, com formaarredondada e que representam a unidade familiar. Quando entrar setembro...Aqui no Brasil, a primavera é uma das estaçõespreferidas. Está associada ao romance, ao amor. Umperíodo bom para iniciar-se namoros. Celebrações oficiais de caráter religioso não ocorremneste período por aqui. O equinócio de primavera estáassociado à celebração cristã da Páscoa, sendo que oequinócio de primavera ocorre no mês de março nohemisfério norte, onde se originaram os festejoscristãos. Sendo assim, a celebração da ressurreição deCristo foi desassociada do equinócio e tornou-se datafixa do mês de março, tanto no hemisfério norte quantono hemisfério sul cristão.Mesmo assim, podemos ver por aqui, celebrações sendofeitas por grupos esotéricos das mais diversas linhas,além dos rituais de Ostara, celebrados pelospraticantes da Wicca, uma forma de prática religiosaque vem se desenvolvendo desde a década de 50, tendocomo base os antigos cultos pré-cristãos europeus.Na Wicca, Ostara é um dos 8 rituais que compõe a Rodado Ano. Os rituais são celebrados nas entradas dasestações, primavera (Ostara), verão (Litha), outono(Mabon) e inverno (Yule), além de outros 4 que sãocelebrados entre as estações, Beltane, Lammas, Imbolge Samhain. Os wiccans vêem o Sagrado na própria expressão danatureza, sendo o Divino formado tanto pelo aspectofeminino (Deusa) como masculino (Deus). A Roda do Anoseria um conjunto de rituais que marcam não só adinâmica da natureza nos seus ciclos de nascimento,crescimento, fecundação e morte para um novo renascer,como também, uma alegoria onde em cada ritual contam ahistória de amor, vida e morte da Deusa e do Deus.Ostara seria o momento em que a Deusa (que é a próprianatureza) se enfeita para seduzir o Deus (o aspectosolar) e assim fecundá-la durante o ritual seguinte,que é Beltane.Uma linda alegoria. Talvez uma bela forma de celebrara espiritualidade interagindo juntamente com ainseparável natureza da qual somos parte masinsistimos em nos afastar. Isto sem pensar naquelesque a destroem visando apenas lucros financeiros.Mas enfim... é primavera. E como diz Beto Guedes:"quando entrar setembro, a boa nova é andar noscampos". Caminhemos então entre o verde e as coloridasflores não nos sentindo intrusos, mas sim, relembrandoParacelso, como um elemento que faz parte deste beloquadro. Para isto, basta que despertemos a primaveraem nossos espíritos.
Fernando Martins